Corredor e escadas

Saí da sala distraída, procurando meus fones de ouvido na bolsa quando uma mão segurou meu braço. Dei de cara com Ian encostado na parede ao lado da porta.
- Ian... digo, professor? – indaguei confusa, franzindo a testa.
O que raios ele estava fazendo me esperando sair da aula, e por que ainda segurava o meu braço?
Martim saiu da sala e começou a falar alguma coisa que não consegui entender, mas ficou mudo assim que notou a presença de Ian, então simplesmente fechou a cara e saiu corredor afora. Agradeci mentalmente por aquilo.
Ian sorriu de lado e finalmente me soltou, desencostando da parede e começando a falar a respeito de um certo par de sapatos que eu havia esquecido no carro dele...

- E então Cinderela...não pretende pegar seu sapato de volta? - Perguntei sorrindo e encarando-a de cima a baixo,ela estava linda,e mais uma vez eu me senti um canalha,em pensar que na sala ao lado não tinha ninguém e...foco Ian! foco!
- Vem comigo pegar? ta no carro,no estacionamento..

Mordi o lábio com a lembrança.
- Certo, antes preciso passar no meu armário para pegar seu casaco. - falei seguindo pelo corredor e parando de frente para o número treze, Ian me seguiu e encostou nos armários do lado. Girei a combinação no meu cadeado e peguei a sacola que estava lá dentro, fechando novamente a porta e entregando a ele.
- Aqui está, acho que obrigada... - murmurei sem graça enquanto o seguia quando ele começou a caminhar em direção ao estacionamento, sem tirar aquele sorriso despreocupado do rosto.

Eu mal conseguia conter o sorriso bobo que tinha no rosto enquanto caminhava até o meu armário pelo corredor quase vazio. O sinal já havia tocado, mas alguns alunos ainda estavam na porta de suas salas esperando seus professores chegarem.
Abri a porta do armário e coloquei a sacola lá dentro, fiquei encarando o passe de corredor e me perguntei se seria abuso usar dele para passar no banheiro rapidinho antes de voltar para a sala, fechei a porta do armário e tudo que vi foi Martim de frente para mim, me encarando com uma rusga na testa.
E instantaneamente o sorriso que eu tinha no rosto desapareceu.
- O que está fazendo aqui? Quer uma detenção no primeiro dia de aula? - perguntei caminhando em direção à nossa sala, sendo, infelizmente, seguida por ele.

Eu a procurei na hora do almoço no refeitório, mas como eu imaginei, ela não estava lá, devia ter saído com aquele cara pela cidade, então fiquei esperando ela voltar, eu os vi chegar de carro. Não gosto dele, ele é metidinho a boa pinta e está se aproximando dela cada vez mais.
-Estou passando por acaso -Digo ironicamente -igual estava quando te vi chegar. Seu almoço deve ter sido ótimo -Falo irritado, -você e seu "amigo" estão cada vez mais próximos, nunca te vi tão feliz depois de perder a hora, é incrível o poder do beijo de um desconhecido quando você quer "seguir em frente".

Martim veio falando aquelas coisas idiotas enquanto andava atrás de mim e eu simplesmente não aguentei, quando chegamos em frente à nossa sala de aula parei e me virei de frente para ele.
- Do quê você está falando? Se eu quisesse "seguir em frente" aquele beijo não teria sido no rosto, Martim! - exclamei irritada com toda aquela perseguição.
Quando conversamos hoje pela manhã eu cheguei a pensar que ele havia entendido que não haveria entre nós nada além de uma cordialidade entre alunos, mas esta ceninha ridícula de ciúmes estava me garantindo o contrário, ele não perdeu as esperanças de me fazer de idiota outra vez.
- Aliás, você não tem nada a ver com isso, não é mais meu namorado, então com quem eu almoço ou deixo de almoçar não é mais da sua conta. - finalizei me virando para entrar na sala, mas ele me segurou pelo braço, e ficou tempo demais olhando o passe de corredor que eu tinha nas mãos.
Inferno, vai começar tudo de novo, eu ainda amoleço quando ele me toca, e meus olhos ainda enchem de lágrimas involuntariamente, o que me deixa com mais raiva ainda, respirei fundo, segurei o choro e não deixei transparecer o quanto ele ainda me afetava.

Quando ela fala isso eu me sinto tão péssimo por tê-la feito sofrer e agora ela está tão mal que não percebe que esse cara não é o cara certo pra ela.
-Então aquele foi o único beijo entre vocês? -Digo olhando em seus olhos que brilham mais do que tudo até que ela olha pra cima e eu a solto. -E onde conseguiu isso? Pelo visto vocês pensaram em tudo não é? -Digo indicando o passe que ela segura -Não precisa ficar saindo com esse... babaca! -Cuspo as últimas palavras -Poxa eu achei que você já tivesse esquecido essa história boba, mas você insiste em fazer essas coisas só pra me irritar. Ele roubou isso e te deu? Parece que está interessado... Só que eu te conheço e sei que ele não é pra você, ele vai te fazer sofrer e eu não posso deixar isso acontecer!

- Não foi o único beijo, e nem deve ser o último. - Realmente não queria falar aquelas coisas, mas ele estava me tirando do sério e eu tinha que revidar. - E este passe eu consegui com um professor, não é roubado, eu jamais aceitaria isso!
Bufei pensando no quanto eu era idiota por ainda dar satisfações a ele.
- Minha vida não gira em torno de irritar você, Martim, mas parece que a única utilidade da sua vida é essa. - Praticamente cuspi as palavras, eu já estava ficando nervosa com a audácia dele de achar que eu chegaria ao ponto lamentável de sair com algum cara para fazer ciúmes nele.
Ri debochada enquanto pensava.
- Você realmente nunca me conheceu de verdade, agora eu tenho certeza. - Meus olhos deviam estar vermelhos, mas eu não cheguei a chorar. - Porque se me conhecesse saberia que eu não sairia com alguém que não amo, ainda mais para fazer outra pessoa ter uma crise estúpida de ciúmes.
Respirei fundo para não começar a gritar.
- E que irônico, a pessoa que mais me fez sofrer se dizendo altamente preocupado com meus sentimentos, vai procurar outra trouxa e me deixa em paz.
Passei as costas das mãos pelos olhos para recolher algumas lágrimas antes que elas caíssem, segurei firme e estava bastante orgulhosa de mim mesma por ainda não ter desmanchado em lágrimas feito uma criança.

Aquelas palavras estavam me torturando -Não estou com ciúmes só dizendo oque é o certo! Eu posso ter te feito sofrer mas nunca tive a intenção e você sabe disso! Não quero te ver sofrer de novo e eu posso impedir que isso aconteça então é isso que eu pretendo fazer. -Digo meio desconcertado olhando em volta.
-E como assim conseguiu com um professor? Nossa professora não chegou e não te vi falar com ninguém além "Do Bonitão", não invente coisas pra mim! -Digo pra ela dessa vez. Acabo de admitir que a segui desde que ela chegou, mas foi preciso, as coisas faladas pela metade estão me incomodando profundamente, por que ela não pode ser sincera e direta comigo, esse suspense é ridículo e está acabando comigo.

Eu tive uma crise ridícula de risos. Acho que descobri como evitar choros inapropriados, é só começar a rir fito uma louca.
- Se isso não é estar com ciúmes, querido, então eu não sei o que é. - continuei rindo um pouco mais controlada. A vontade de chorar passou e a raiva também, eu não gostava de discussões, nem com pessoas que mereciam.
- Martim, pro seu próprio bem, pare de me seguir, porque apesar de no momento eu realmente não estar saindo com ninguém e tudo isso não passar de criação da sua cabeça, em algum momento eu vou conhecer alguém, me apaixonar, e vai ser doloroso para nós dois se você estiver assistindo.
Eu já não tinha mais a voz alterada, falei da maneira mais natural que consegui, de forma que soasse como um conselho, não como uma bronca.
Ele ainda era especial para mim, apesar de tudo, e vê-lo sofrer ainda me machucava, porque era isso que eu era, uma perfeita idiota que amava e aconselhava quem não merecia.

Não sei se fico feliz por ela se preocupar se algo vai ser doloroso pra mim ou arrasado por imaginar que ela está me descartando tanto que já pensa em se apaixonar por outra pessoa.
-Você não devia pensar assim! Eu só estou tentando te proteger e você ainda vai me agradecer por isso! Será que não percebe o quanto está frágil e vulnerável? Não posso deixar que ninguém se aproveite disso! -Digo sentindo meu rosto queimar.
Ela está fazendo isso de propósito, deve ser algum tipo de vingança, mas não acredito que a garota meiga e doce que conheci e me apaixonei se sinta bem fazendo isso. Ela só pode estar muito decepcionada comigo, mas não sei o que me resta a fazer se não evitar que ela se machuque mais ainda com esse cara e não quero que ela se apaixone.
-Não vai se apaixonar por ninguém enquanto eu estiver por perto, quero assegurar que não está se iludindo. -Murmuro me aproximando.

Eu já não sabia mais o que dizer, ele estava visivelmente abalado, e eu não estava exatamente indiferente. Caramba, ele foi meu namorado por quase um ano, isso não é algo fácil de esquecer, me odiava por ainda sentir o coração acelerar com a proximidade dele, e queria distância, tentava respirar normalmente mas ele de alguma forma conseguiu chegar mais perto.
- Você... você não pode me impedir de me apaixonar... - falei tentando não gaguejar. - Eu tenho certeza de que da próxima vez que isso acontecer, eu não estarei me iludindo... como foi com você.
Eu caminhei para trás até encostar na parede, já não tinha mais para onde fugir, e ele ainda estava próximo demais pro meu gosto.
- A... acho melhor... melhor a gente... entrar... a aula... - gaguejava ridiculamente, mas já conseguia sentir o cheiro de xampu que vinha dos cabelos dele, e por mais que eu o odiasse, a familiaridade daquilo era insuportavelmente boa.

Quanto mais ela tenta me evitar menos ela consegue fazer isso, então me aproximo dela e dessa vez tenho certeza de que não vai se afastar outra vez, e sei que ela também sabe disso.
-Não posso te impedir de se apaixonar, mas sei que não vai amar ninguém de verdade porque tudo ainda é muito recente. -Digo me aproximado do rosto dela -E sei que você ainda gosta de mim -Puxo o rosto dela pra mais perto do meu, perto suficiente para sentir sua respiração e seus lábios nos meus.

Eu voltei a raciocinar um pouco tarde demais, mas não tarde o suficiente para que eu o empurrasse com toda minha força assim que ele encostou os lábios nos meus.
- Nunca mais se aproxime de mim desse jeito. - Falei praticamente enfiando o dedo indicador no rosto dele. - Nunca mais faça nada tão estúpido, nem tente me beijar outra vez, porque eu juro que se você continuar me irritando desse jeito vou arrumar um mandato de distância na justiça!
As malditas lágrimas voltaram aos meus olhos, desta vez não as impedi. Não estava chorando copiosamente, era mais raiva, de modo que após algumas poucas lágrimas eu já havia me recuperado, respirei fundo e voltei a olhar para ele, que parecia confuso.
- Não me faça te odiar a ponto de não tolerar sua presença, Martim, não me faça chegar a este ponto, ainda vou ter que aturar você na mesma escola por dois anos, não torne tudo isso ainda mais difícil. - murmurei. - E ponha de uma vez por todas na sua cabeça que por mais que eu consiga te perdoar algum dia pelo que você fez, nós nunca mais vamos voltar, porque errar é humano, mas insistir no erro é burrice!

-Desculpe eu não devia ter te beijado, sei que está tentando esquecer nosso passado, mas não é fácil pra mim te ver e estar perto de você sem poder... estar com você. -Murmuro me afastando, ela não merece estar aqui me ouvindo reclamar e eu me senti um idiota depois disso, mas eu simplesmente não resisti.
É impossível esquecer tudo assim tão fácil quando ainda a amo e sei que ela ainda sente alguma coisa por mim, e quando a olho é inevitável não pensar nos momentos bons que tive com ela, me recuso a esquecer o que a gente viveu. Eu só queria que aquele sorriso que ela tinha no rosto quando estava no corredor fosse por minha causa.
-Só não quero que você se machuque mais, só isso! -Não consigo mais olhá-la nos olhos, dessa vez eu percebo que passei um pouco dos limites e ela tem razão de estar irritada comigo.

Ele tinha murchado completamente, parecia ter tomado um balde de água fria na cabeça.
E eu mal conseguia acreditar na vontade que estava de abraçá-lo. Idiota, mil vezes idiota.
- Então não me magoe mais. - falei simplesmente e entrei na sala, a aula começaria logo e eu não queria perder nada por causa dele.

Eu realmente não entendo como o fato de nós ainda gostarmos um do outro pode deixá-la tão mal. Será que eu fui tão cruel assim e caí tanto no conceito dela, que ela não suporta ainda sentir algo por um cara tão imbecil como eu?
Não consigo entendê-la, em um momento ela diz que quer esquecer tudo que nós vivemos e em outro simplesmente me odeia. Se ela quer me esquecer porque ela não tenta fingir que nada aconteceu? E aí ia aceitar que ainda gosta de mim e que eu ainda gosto dela e voltar a ser feliz do meu lado.
É como se ela não quisesse me esquecer e sim me odiar pra sempre, mas isso é impossível porque ela ainda me ama, e não importa quantos bonitões com carro legal ela conheça, isso não vai mudar assim. É uma questão de tempo até ela perceber isso, preciso ser mais paciente, só isso e aí tudo vai ficar bem outra vez.